Traições | Antônio Ramos da Silva

Faz parte da nossa rotina ler obras de escritores recém publicados, e toda vez que um desses exemplares chega à minha caixa de correio sinto frio na barriga. Há muito orgulho em ver um colega realizando seu sonho, saber que ele quer ser publicado em nosso site e também uma pontinha de medo de não gostar de seu trabalho.

Respirei aliviada logo na primeira página de Traições, comecei e não parei mais de ler (mentira, parava quando chegava no trabalho) até ver seu fim.

Antônio Ramos da Silva criou uma personagem, deu seu nome, idade, profissão e endereço e brincou de nos enganar. Em 12 capítulos e 99 páginas conhecemos o íntimo do fictício Antônio, sua infância, amigos e alguns momentos decisivos que moldaram o homem que é hoje.

Em forma de diário e com um português caprichado de professor, esse “cadernos de fofocas sobre mim mesmo” tem o objetivo principal de revelar o fato de que o herói é na verdade um bosta. Pode se acalmar, não estou sendo rude, apenas citando o próprio livro. Antônio descreve situações do cotidiano entremeados com textos literários, fazendo uma autoanálise bem humorada de seus tropeços.

Sou um bundão, sempre fui. Meu signo é libra, seja lá o que isso signifique.

Ambientado em Campinas, no interior de São Paulo, também minha cidade, me diverti à beça lendo sobre as avenidas, estádios e o tradicional Bar Voga. Inspiração para quem escreve, afinal não é preciso ir longe para conseguir uma boa estória, seu próprio quintal pode servir de pano de fundo para acontecimentos extraordinários.

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Capa e meu autógrafo *.*

Curiosa sobre aspectos do livro, fiz algumas (muitas) perguntinhas que o autor gentilmente respondeu.

Amora: Como foi o processo criativo? Foi realmente como você conta no início, decidiu escrever um capítulo por dia e escreveu?

Antônio: Na verdade não: meu processo criativo foi bem diferente do processo criativo do narrador do livro… Primeiro eu escolhi um tema, digamos assim, “macro” – no caso algo como “a influência do meio na formação do Homem”; depois eu tentei imaginar como “discutir” esse tema – criei então uma personagem exposta desde criança a situações que lhe oprimiam e que refletiriam em sua maneira de ser quando adulta.
Com a personagem mais ou menos pronta, escrevi um projeto, deixando respondidas de antemão as perguntas “o quê?”, “quem?”, “quando?”, “onde?” e “como?”. Também decidi o final. Com esses dados, parti pra escrita. Após algumas páginas já digitadas, no entanto, resolvi mudar o foco narrativo: eu tinha começado escrevendo em terceira pessoa, com um narrador onisciente, mas achei que estava ficando meio, sei lá, falso. Aí testei em primeira pessoa e achei que deu mais certo. Foi só nesse momento do processo que resolvi brincar com a questão “realidade vs. ficção” e dei ao narrador meu nome, minha idade, minha profissão etc. Fiz com que ele tivesse nascido na mesma cidade que eu e também que tivesse morado nas mesmas cidades que eu – por isso, tive que mudar um pouco o local em que a história se passava… Quis, igualmente, jogar com o desejo das pessoas de saberem intimidades sobre os demais e inventei situações que poderiam ter acontecido comigo…
Enfim, basicamente foi isso… Escrevi em seis meses, de segunda a sexta, à noite, normalmente durante umas duas horas. Primeiro escrevi os textos da “suposta realidade” e depois os que seriam “criação literária” do narrador. Após ter colocado o ponto final, revisei-o e alterei-o durante uns quatro meses.

Amora: A gente sabe que apesar de tantos meios, ainda não é nada fácil um novo autor ser publicado, quais foram as dores e as delícias dessa fase?

Antônio: Olha, na minha opinião a maior dificuldade do novo autor hoje é a distribuição de sua obra – e não a publicação. Além das oportunidades que as ferramentas oferecidas pela internet proporcionam e do surgimento de editoras interessadas em apostar nos “escritores inéditos” (como é o caso da portuguesa Chiado, que editou o meu livro), as chamadas grandes editoras também vêm dando espaço pra quem está começando – vide aí os casos da Luísa Geisler, do Julián Fucks, da Carol Bensimon, entre outros. E alta qualidade do trabalho deles tende, a meu ver, a abrir mais e mais portas para quem está no início da carreira.

Amora: Você teve algum receio de se expor com um protagonista tão pessoal?

Antônio: Não, não tive, até porque, além dos dados passíveis de serem verificados, não tem praticamente nada de mim no protagonista. Essa é, inclusive, uma das traições da história: o leitor que pensar estar conhecendo algo da minha intimidade ao ler o livro, estará sendo enganado.

Amora: Todo escritor é um leitor ávido, quais são seus autores favoritos?

Antônio: Acho difícil responder a esta questão… Gosto de muitos dos ícones, claro (Tolstói, Dostoiévski, Flaubert, Kafka, Virgínia Woolf, Machado de Assis etc. etc. etc.), mas também dos mais próximos cronologicamente de nós (Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa, José Saramago, Javier Marías, Javier Cercas, Paul Auster etc. etc. etc.). Dos da “minha geração”, meus preferidos são o valter hugo mãe, o Andrés Neuman e o Ricardo Lísias. E eu citaria talvez como mais importantes pra mim como escritor (não só como leitor) o Mario Benedetti e o Alfredo Bryce Echenique, pois tento aproximar a minha literatura da literatura escrita por eles. Claro que estou muito longe de conseguir, mas pelo menos me contento com a ideia de que, ao escrever, estou prestando minha homenagem a eles.

Amora: E algum guilty pleasure literário?

Antônio: Tenho alguns guilty pleasures (Fanta Uva, coração de frango e chocolate hidrogenado, por exemplo), mas não me lembro de ter nenhum guilty pleasure literário…

Amora: Podemos esperar por outro livro em breve?

Antônio: Eu tenho uma novela engavetada, à qual pretendo voltar algum dia para dar umas mexidas e, depois, tentar publicar. Fora isso, já estou trabalhando no meu próximo livro, que será escrito no decorrer deste ano de 2015 – e que, se alguma editora se interessar, poderá ser publicado em 2016.

Amora: E a pergunta mais importante: como o nosso leitor pode comprar Traições?

Antônio: Então… Parece estar havendo alguma dificuldade da minha editora, que é portuguesa, em colocá-lo em livrarias brasileiras… No momento, ele está sendo vendido em duas grandes redes de livrarias lá da terrinha – a Bertrand Livreiros e a Wook. Para o público brasileiro fica mais fácil adquiri-lo via site da editora, eles entregam em qualquer cidade do Brasil.

Enfim, recomendo verdadeiramente que você leia Traições, valorizando a boa e nova literatura nacional. Extremamente atual, cheio de referências da cultura pop, essa ficção da ficção da vida real (praticamente um Inception literário) vai te conquistar.

Título: Traições – Caderno de fofocas sobre mim mesmo
Editora: Chiado
Páginas: 99

Lançamento: Setembro/2014