Não atravesse

– E então, o que vai acontecer comigo? – disse a garotinha apreensiva, em seu pijama de estrelinhas.

– Se um dia você cruzar o arco-íris, minha querida, vai parar no mundo das fadas.

E então, acordava do pesadelo. Ele vinha se repetindo há alguns meses, desde seu aniversário de 23 anos, não era uma data significativa nem nada, mas notou desde aquela noite, quando sonhou com aquele dia quase esquecido. Junto com o pesadelo, aquela sensação estranha que tinha quando criança, de que tem sempre algo mais acontecendo ao seu redor, algo muito sutil, que desaparece assim que você presta atenção.

E claro, o terror à arco-íris.

A babá que lhe contou a história tinha chego no mesmo dia em sua casa, enviada pela agência, e cheia de recomendações. Uma moça doce, que lhe colocou pra dormir com uma história tirada de seu grande livro verde de capa dura. Desceu as escadas correndo no dia seguinte querendo descobrir mais mistérios que aquele livro poderia guardar, mas a babá não estava mais lá, sua mãe lhe disse que logo viria outra, tão divertida quanto aquela, mas não era verdade.

Quando depois da chuva via surgindo um lindo arco colorido no céu, corria pra dentro de casa onde estivesse protegida. Entrava em pânico se sol refletisse na fina névoa dos regadores do gramado, e as bolhas de sabão tão admiradas pelas crianças do bairro eram suas inimigas mortais. Não queria saber de nada que pudesse formar o mais ínfimo arco-íris, a babá a tinha deixa para trás, não seria ela a procurar em outro mundo.

Em algum lugar de seu subconsciente isso ficou guardado até a noite de seu insignificante aniversário, fazia tanto tempo que se perguntava se aquilo tinha realmente acontecido.

Procurou saber sobre o tal livro verde de capa dura, entrou em todas as livrarias, perguntou para quem tivesse oportunidade, mas ninguém conhecia a história da garotinha que um dia, sem querer cruzou o arco-íris e foi pro mundo das fadas, desaparecendo pra sempre.

Persistindo o pesadelo, foi estudar sobre os tais arco-íris, se tornou praticamente uma especialista. Sabia de todas as lendas e simpatias o envolvendo e sabia principalmente que nele nada havia de mágico, somente um fenômeno óptico, cientificamente explicado.

Em posse de toda essa sabedoria o terror deveria passar, mas era só ver o reflexo de um CD que seu peito apertava e as mãos suavam. O medo irracional de ser transportada para aquela terra cheia de gente loira, de olhos azuis e sorriso perfeito, como a própria babá. Aquele lugar onde tudo era feito de flores e cheirava à frutas frescas, e o sol nunca partia.

Gostava do emprego no escritório, do apartamento apertado e até da poluição do dia a dia, não queria saber de droga de mundo das fadas nenhum, estava muito bem no mundo real.

Só o que precisava fazer era ignorar aquela sensação de nunca estar sozinha e mudar de direção quando visse algum reflexo colorido, só isso e estaria a salvo.